domingo, 8 de maio de 2016

Uma carta

"Sabe o que é ruim mesmo? Saber que você estará aqui só de vez em quando, que estará 'por mim' quase nunca. Saber que não há tempo para conversar, que eu só tenho o direito de ouvir e estar errada, porque quando eu falo, no final das contas, fica tudo bem, como se você não tivesse feito nada, como se cada memória caísse num limbo. Triste é saber que eu tenho o dever de amar e o direito de não ser amada. Triste é saber que quando eu faço algo que te desagrada, o mundo desaba, mas, se o contrário acontece, deve haver conversa, no seu tom, do seu jeito. Pior é saber que cada plano na minha mente não há de ser concretizado: por falta de dinheiro, por ser vontade só minha, por falta de tempo... Tudo a sua maneira.
Não...Você não sabe... E eu nem sei como pode ser assim: com dificuldade de aceitar limites, aceitar o outro como é, forçar o outro à sua vontade. É... Tem hora que não dá para esquecer algumas coisas, infelizmente.
Do jeito de vestir, a se portar, ao que falar, a como falar, ao que e como fazer, ao horário.
Eu tenho inveja, muita, assumo. Inveja daqueles casais reais que o homem esquece o dia do aniversário de namoro, mas tenta se redimir. Inveja dos que lembram! Destes eu sinto inveja mesmo! Porque são coisas simples como algumas palavras, ou um gesto. Não é dinheiro. É lembrança: "ei, hoje é nosso dia, não me esqueço de você. Te amo". Inveja dos casais que se beijam, não beijos de despedida, ou beijos com segundas intenções, mas, beijos. Inveja dos que fazem programas românticos, de vez em quando. Inveja dos que torcem e ajudam um ao outro. Fica, por bem, o dizer, "eu queria que fosse assim".
Mulher não é para arrumar casa. Mulher não é para cozinhar. Mulher não é para fazer compra. Mulher não é para ir ao banco. Mulher não é para te paparicar. Mulher não é para fazer suas vontades. Mulher não é para te seguir. Mulher não é para se rebaixar. Mulher não é para vestir saia. Mulher não é saco de pancada. Mulher não é só bunda. Mulher não é só peito. Mulher não é só coxa.
Bom dia, boa noite, você está bem?, o que houve? Precisa de ajuda? Vamos conversar? Vamos fazer alguma coisa?
Era uma flor na primavera, daquelas colhidas na rua. Era uma carta falando a importância de mim para você. Era um filme, no computador, assistindo juntos, sem dormir. Era o elogio. Era o beijo na testa. Era o sorriso em uma gracinha. Era o abraço. Era a palavra de carinho, num momento de desespero. Era o cafuné. Era o bom dia, ao acordar do seu lado. Era o dia do beijo. Era o dia do amor. Era o dia do abraço. Como eu disse, simples.
Mudei boa parte do que você queria. Você mudou, para pior.
Cada dia meu será programado sem você. Vai que eu me acostumo com a ideia."

Foi isso que ela pediu para te entregar. Não gostaria de ser portadora desta carta, mas alguém tinha de fazê-lo.